Artigos Publicados
CANCRO COLO-RECTAL
O cancro colo-rectal tem tido uma incidência crescente no nosso país, sendo actualmente o tumor maligno mais frequente do aparelho digestivo. A cirurgia é a única arma terapêutica que pode possibilitar a cura. Esta rondará os 50-60% se o diagnóstico for feito apenas quando do aparecimento dos sintomas. Pelo contrário, se a detecção for precoce, subirá para mais de 80%. A importância do rastreio é, pois, evidente. A optimização da técnica cirúrgica e dos tratamentos complementares conduzirão a uma melhoria efectiva do seu prognóstico.
O carcinoma colo-rectal é uma patologia bastante frequente, sendo uma das principais causas de morbi-mortalidade por cancro no Ocidente, representando cerca de um terço do total dos tumores malignos nos países desenvolvidos. A nível mundial são diagnosticados cerca de 678000 novos casos por ano, 150000 na Europa e 140000 nos EUA (segundo cancro mais frequente), responsáveis, respectivamente, por 110000 e 60000 mortes/ano. Aproximadamente 70% das lesões situar-se-á no cólon sigmóide e no recto, representando esta última localização cerca de um terço do total das lesões colo-rectais.
Também Portugal assiste a uma situação semelhante, com o cancro colo-rectal a ocupar um dos lugares cimeiros da patologia oncológica, com os consequentes e graves problemas de Saúde Pública daí resultantes. No nosso País, a nível global, segue-se ao cancro do pulmão, no homem, e ao cancro da mama, na mulher, ocupando, hoje em dia, o primeiro lugar no «ranking» dos tumores do aparelho digestivo. O risco médio de, durante a sua vida, uma pessoa vir a desenvolver um cancro colo-rectal é de cerca de um em vinte. São números surpreendentes e chocantes, reveladores de uma incidência crescente e alarmante, sobretudo se se considerar que a doença é potencialmente curável se diagnosticada numa fase inicial. Infelizmente, apesar de este tipo de neoplasia apresentar uma elevada taxa de cura comparativamente às outras lesões neoplásicas do aparelho digestivo, constata-se que a sobrevida média aos 5 anos apenas alcança os 50-60%, ao contrário dos 80-90% se diagnosticada precocemente, o que releva a necessidade de um rastreio bem conduzido.
Sabe-se que a generalidade dos carcinomas colo-rectais têm a sua origem em pólipos benignos - lesões pré-malignas localizadas na parede intestinal - que ao evoluírem e aumentarem de tamanho, irão sofrer uma transformação maligna. Além da existência de pólipos, são considerados factores de alto risco para o aparecimento deste tipo de cancro, uma história pessoal de doença inflamatória intestinal extensa (sobretudo a colite ulcerosa) ou de cancro de outros órgãos (especialmente da mama, útero ou ovário), bem como, uma história familiar de pólipos ou de cancro colo-rectal. A idade constitui outro factor a considerar, dado que, apesar deste tipo de neoplasia poder ocorrer em qualquer grupo etário, mais de 90% dos doentes terão mais de 40 anos. Também o tipo de alimentação pode ser responsabilizado: uma dieta pobre em fibras vegetais – a ausência de fibras, retardando o trânsito intestinal, aumentam o tempo de contacto da mucosa com eventuais carcinogéneos -, uma dieta rica em gorduras – colesterol e seus derivados que são substâncias com potencial carcinogénico - ou, ainda, uma dieta hiperproteica, pela alteração da flora microbiana cólica que condiciona – crescimento de bactérias anaeróbias, em detrimento das aeróbias, capazes de transformar os sais biliares em carcinogéneos.
O carcinoma colo-rectal pode evoluir por bastante tempo antes de dar qualquer manifestação clínica. As mais frequentes são as perdas de sangue pelo recto e as alterações dos hábitos intestinais – obstipação ou diarreia, mais comuns às lesões localizadas no cólon esquerdo e recto. O carcinoma do cólon direito tem um comportamento mais insidioso, traduzido por cansaço, mal-estar, anemia sem causa aparente. A dor abdominal e o emagrecimento são, geralmente, sintomas tardios, podendo indicar uma possível disseminação da doença. Seja como for, a característica principal destas neoplasias permanece a elevada tendência ao sangramento, que poderá estar oculto nas fezes ou ser facilmente detectável pela simples observação macroscópica. Deverá, porém, ter-se bem presente que, como estes sinais e sintomas são comuns a outras patologias, é indispensável que se proceda a um exame clínico completo para se chegar ao diagnóstico e excluir uma lesão tumoral – nem sempre a perda de sangue vermelho vivo traduz a simples presença de hemorróidas.
A cirurgia constitui a única opção terapêutica capaz de obter a cura na generalidade dos casos de carcinoma colo-rectal. Hoje em dia, graças não só à moderna tecnologia disponível como a uma optimização da técnica cirúrgica realizada, serão menos de 5% os doentes operados que irão ficar com uma colostomia definitiva («ânus artificial») ou com sequelas funcionais graves. A intervenção cirúrgica será realizada na maioria dos doentes através de uma incisão abdominal convencional (laparotomia). Existe, contudo, uma evidência crescente de que o tratamento cirúrgico, em alguns Centros altamente especializados, poderá também ser efectuado com igual eficácia por via laparoscópica (semelhante à utilizada para remoção da vesícula biliar). Em algumas situações torna-se necessária a utilização de radioterapia e de quimioterapia como adjuvante da cirurgia, quer antes quer depois da intervenção cirúrgica. Os esquemas propostos serão diferentes, de acordo com a localização do tumor, no cólon ou no recto.
Para se conseguir uma melhoria dos resultados cirúrgicos, em todas as vertentes, sobretudo no caso particular do cancro do recto, torna-se necessário uma política de mudança, passando os doentes com esta patologia a serem operados por equipas credenciadas com uma particular diferenciação no seu tratamento. Tal já é a realidade em muitos países Europeus, em que a referenciação dos pacientes por um menor número de cirurgiões, mas com uma experiência assinalável nesta área, se traduziu por um impacto marcado no prognóstico da doença. Espera-se e deseja-se que, também no nosso País, esta orientação seja uma realidade a breve trecho, devendo a comunidade médica e as autoridades de saúde pugnar para que tal venha a acontecer.
Uma palavra final quanto aos passos a dar para prevenir o aparecimento desta doença. Por um lado, através do rastreio, em que pela realização de exames adequados se conseguirá identificar, num indivíduo sem qualquer sintomatologia, a patologia ou condição que irá provocar o cancro. Só uma detecção precoce conseguirá a prevenção ou a cura do cancro colo-rectal. Muitos pólipos e cancros do cólon e recto só produzem sintomas quando já de dimensões apreciáveis, numa fase avançada da doença. A remoção dos pólipos numa fase inicial é um aspecto de medicina preventiva comprovadamente eficaz. Uma forma de o fazer será por meio da realização de uma colonoscopia. Este exame tem a virtualidade de ser diagnóstico e terapêutico - avaliação de todo o cólon, detecção de pólipos, sua excisão -, pelo que deve fazer parte do exame clínico de rotina de acordo com o protocolado. Existem diferentes propostas para um rastreio eficaz, tendo em consideração a idade e a história pessoal e familiar de determinada pessoa. Por outro, através da modificação dos hábitos alimentares, insistindo-se numa dieta rica em fibras e pobre em gorduras, com uma ingestão moderada de bebidas alcoólicas.
JOÃO PIMENTEL
Director do Centro de Coloproctologia de Coimbra
Professor Associado de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Coimbra
Chefe de Serviço de Cirurgia dos Hospitais da Universidade de Coimbra